Uma questão que permanece em debate em todas as sociedades e associações urológicas de todo mundo é a realização ou não do rastreamento do câncer de próstata e em que idade fazê-lo.
Será que estamos detectando e tratando pacientes que não necessitariam de tratamento, por apresentarem tumores de baixa agressividade?
Ou será que o fato de detectarmos a doença em estágio mais inicial e localizado aumentaria os índices de cura do câncer?
Será que o rastreamento desta doença realmente ajuda ou não?
A detecção precoce de um câncer compreende duas diferentes estratégias: aquela destinada ao diagnóstico do câncer em indivíduos que apresentam sintomas ou sinais iniciais da doença (diagnóstico precoce) e outra, voltada para pessoas sem qualquer sinal ou sintoma e aparentemente saudáveis (rastreamento) – (WHO, 2002).
O conhecimento atual sobre rastreamento de doenças é de que, como em qualquer outra tecnologia em saúde, seu uso pode trazer benefícios e riscos, que devem ser, portanto, cuidadosamente analisados e comparados antes da incorporação desta tecnologia na prática médica e, principalmente, de saúde pública. Desta forma, a decisão do uso do rastreamento deve estar norteada por evidências científicas de qualidade, produzidas a partir de revisões sistemáticas da literatura científica disponível, realizadas pelas principais agências de avaliação de tecnologias em saúde.
É consenso que, a nível individual, o rastreamento pode melhorar a sobrevida de um homem com câncer de próstata, mas, a nível populacional, ainda há discussão.
Os métodos de rastreamento utilizados, o toque retal e a dosagem sanguínea do PSA (antígeno prostático específico), apresentam altas taxas de falsos positivo e negativo, diante de outras doenças que podem acometer a próstata.
O estudo europeu ERSPC (European Randomised study of Screening for Prostate Cancer), multicêntrico – realizado em oito países – e randomizado, com mais de 160.000 indivíduos, demonstrou uma maior razão de chance de diagnóstico nos homens submetidos ao rastramento (OR 1.91, 1.66 e 1.57, aos 9, 11 e 13 anos de acompanhamento, respectivamente), como seria esperado, assim como menor taxa de mortalidade em relação aos homens não rastreados (RR 0.85, 0.78, 0.79, aos 9, 11 e 13 anos de acompanhamento, respectivamente). Entretanto, a conclusão final foi a de que, ao final do período de 13 anos, deve-se rastrear 781 homens para se evitar uma morte decorrente do câncer de próstata, ou uma a cada 27 homens diagnosticados com a doença.
The Lancet, Early Online Publication, 7 August 2014
Em contrapartida, um estudo sueco verificou, com base na medição do PSA em homens com 60 anos, que o rastreamento torna-se vantajoso a partir desta idade quando o PSA é maior ou igual a 2ng/mL, enquanto quando este se encontra menor que 1ng/mL, não há necessidade de rastreamento adicional, devido ao risco de “superdiagnóstico” (overdiagnosis) sem benefício sobre a mortalidade. Quando o PSA for entre 1 e 2ng/mL, deve haver uma decisão consensual entre médico e paciente.
British Medical Journal, March 2014
Da mesma forma, o estudo PLCO (Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian Screening Trial), com dados de 76.693 pacientes com idades entre 55 e 74 anos submetidos a avaliação anual com PSA por 6 anos associado a exame de toque retal por 4 anos, versus nenhum rastreamento, não mostrou nenhuma redução na mortalidade por câncer. O rastreamento resultou em aumento da incidência de câncer de próstata, com 22% de casos detectados a mais em relação ao grupo controle, com características menos agressivas do que os deste após sete anos. No entanto, não foi observada redução da mortalidade específica pelo câncer entre os grupos.
New England Journal of Medicine, 2009
Estima-se que 23 a 42% dos cânceres diagnosticados apenas pelo PSA elevado sejam insignificantes, ou seja, não seria esperada nenhuma manifestação clínica decorrente da doença durante a vida do paciente.
Journal of National Cancer Institute, 2009
De acordo com um compêndio americano, houve um declínio anual de cerca de 4,1% na taxa de mortalidade por câncer de próstata entre 1994 e 2006, com queda estimada de mortalidade em 40% nos últimos 15 anos. Atualmente, o diagnóstico da doença avançada caiu de 25% para 4% entre 1985 e 2002. No entanto, a American Urological Association deixou de recomendar o rastreamento desde maio de 2013. As justificativas apresentam claras controvérsias e incluem riscos/benefícios, custos, políticas de saúde, governamentais etc.
A orientação atual da Associação Americana de Urologia, bem com da Sociedade Brasileira de Urologia, estimula uma decisão conjunta entre o paciente e seu médico no sentido de se fazer o exame de PSA rotineiramente nos homens com expectativa de vida acima de 10 anos, deixando claro a estes a possibilidade de diagnóstico de tumores insignificantes e que não teriam impacto nas suas sobrevida e dos riscos inerentes aos possíveis tratamentos.
da, baseado em evidências científicas, a SBU, a partir de 2013, alterou sua recomendação em relação ao rastreamento do câncer de próstata com o aumento em cinco anos para a avaliação precoce da doença: 45 anos para homens com casos na família ou negros e 50 anos para os demais.
SBU
12/08/2014
Por Dr. Ricardo Vita